Por Renato Rovai e Marco Biruel
As lutas de libertação renascem impulsionadas pelo combustível da verdade
Renato Rovai
Henrique Antoun é doutor
em Comunicação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro e pesquisador do grupo Ciberidea (Núcleo de Pesquisa em
Tecnologia, Cultura e Subjetividade). Coordena o projeto de pesquisa
Mediação e Mobilidade: Comunidades virtuais, dispositivos móveis de
comunicação e o futuro da democracia na cibercultura, cujo tema é o
papel das comunidades virtuais e as novas formas de organização dos
movimentos sociais.
Fórum – Como você
define o Anonymous? Considera que a ação deles é uma ação política e que
leva a um novo modus operandi das manifestações de protesto?
Henrique Antoun – Os
Anonymous são a quinta geração dos hackers, que agora usam suas
super-habilidades de criação e manipulação de sistemas para atingir no
coração os métodos, usados pelos mega meios de comunicação, de forjar a
opinião pública e obter a atenção das massas. Eles emergem do grande
racha no mundo hacker ocorrido após o 11 de setembro, quando os
“Indies”, contrários à guerra do Iraque, vão se chocar com os hackers
que defendiam o auxílio ao Departamento de Defesa dos EUA para libertar a
Ásia e o Oriente Médio das ditaduras sanguinárias.
O fim da era Bush fez com
que o hackativismo fosse redefinido, tendo como alvo a desmoralização
dos processos de formação de consenso massivo e de produção de atenção
de massa. Eles definiram a princípio o canal /b/ do www.4chan.org como
local de reunião, de onde deflagraram uma guerra contra a Igreja da
Cientologia. Como o 4chan é uma rede pobre de divulgação e
compartilhamento de material de “fans”, ela não tem como guardar o log
das operações de rede por mais de três horas. Isso garantia aos
Anonymous a capacidade de manter-se na invisibilidade e no anonimato.
Eles são o renascimento dos hacktivismo contra o preconceito e a
manipulação de massa da megamídia corporativa.
Fórum – Em geral,
nos protestos, os Anonymous se manifestam contra as proibições e censura
na internet. Você acha que a liberdade de expressão é o gás desse
movimento?
Antoun – Entre seus alvos
passados estão o CNET News, que promove o vigilantismo nas redes, e a
Fox News, do Murdoch, que os apresenta como terroristas domésticos que
dominam e manipulam a internet. Em julho de 2009, o articulista da Fox
News, Tauryn Sauthoff, escreveu: “As pessoas mais poderosas da internet
não trabalham para a Microsoft, o Google ou o governo. Elas são um bando
de nerds malucos e tagarelas, congregados num website ainda bem
desconhecido chamado 4chan.org.” Na minha opinião, eles são um poderoso
instrumento de defesa anônima da liberdade na rede, mesmo que isso
signifique atacar qualquer um que ameace essa liberdade.
Fórum – Você considera que o ciberativismo pode impactar profundamente na forma de fazer política nos próximos anos?
Antoun – Desde os anos
1980, a mídia de massa foi transformada em canal de ocultamento e desvio
de atenção das notícias que contrariavam os governos e as
megacorporações. Ao mesmo tempo, a advocacia era transformada em um
poderoso sistema de intimidação pública dos grandes meios, reforçando o
caráter manipulador da megamídia na geração da opinião pública. O auge
dessa operação se deu no governo Bush, em que mesmo grandes canais de
notícias como o New York Times, o Washington Post e a CNN foram acuados e
calados pelos processos judiciais, aliados ao preconceito patriótico
promovido pela Fox News e por tabloides como o Sun Times e News of the
World, todos de propriedade de Murdoch. Hoje, vemos a desmontagem desse
sistema de terror e controle aparecer revelando as novas formas de
censura geradas pelos sistemas de controle. O mundo hacker submergiu
após o 11 de setembro em meio ao ódio e preconceito, mas renasceu
redirecionando seu modo de ação. As habilidades hackers passaram a ser
usadas para pôr a nu os processos de controle e manipulação de massa. Os
Anonymous são o fruto desse amadurecimento, e seu alvo é desviar a
atenção das populações dos megainstrumentos de mesmerização global,
articulados pela fome pantagruélica das corporações por capital. Os
Anonymous impedem que as mídias se calem sobre os acontecimentos que
interessam às populações e hoje vazam abundantemente na internet através
do WikiLeaks. Desse modo, a associação do vazamento dos documentos
oficiais aliada à guerra de atenção dos Anonymous fizeram renascer o
poder da verdade como fonte da libertação política. Da Praça Tahir
egípcia ao acampamento do Sol espanhol, as lutas de libertação renascem
impulsionadas pelo combustível da verdade. Os Anonymous fazem parte
desta profunda transformação da política do século XXI.
Fórum – Esse tipo de ação promovida pelo Anonymous tem potencial revolucionário, na sua opinião?
Antoun – Ele implica uma
profunda transformação das revoluções. No passado, a indignação das
populações acabava capturada por golpes de Estado de grupos ideológicos
intolerantes e violentos. Hoje, as populações reunidas nos movimentos
sociais e ações coletivas não precisam que intermediários falem por elas
através das mídias de massa e instituições políticas. A internet gerou
uma mídia livre, impulsionada por milhões de blogueiros e fermentada
pelas redes sociais. A internet se revelou um megaespaço público, onde
qualquer um tem voz e pode falar por si mesmo. Isso permite que os
movimentos sociais falem diretamente através de seus manifestantes, sem
precisar que líderes e porta-vozes sequestrem seus interesses em nome de
fanatismos ideológicos e voracidade econômica. A verdade do enunciador
se liberta da servidão do enunciado e da escravidão performática dos
dispositivos de enunciação. A ansiedade das populações com as dívidas,
as compulsões e os riscos ganham canais de livre expressão que
sedimentam seus movimentos por liberdade. A servidão é filha da
obrigação de atender, e a escravidão é amante do silêncio. A revolução
hoje nasce do vazamento do silêncio governamental e do desvio da atenção
hipnotizada, ocupando as ruas e as praças das metrópoles. F
Silverlords, do grupo que atacou os sites do governo
Marco Biruel
SilverLords é um dos
líderes do LulzSecBrazil, que, em julho, atacou alguns sites do governo
brasileiro. Nesta entrevista exclusiva à Fórum, ele revela que o grupo
também teria invadido o e-mail de pessoas ligadas ao PSDB e que tem os
dados das caixas de correio de José Dirceu e Dilma. Mas nega que a
invasão tenha relação com a lei de restrições à internet (AI-5 Digital),
proposta pelo deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG). E diz que, se
ela vier a for aprovada, irão invadir, entre outros sites, o da Receita
Federal.
Fórum – Como surgiu o grupo LulzSecBrazil?
SilverLords – Por intermédio do contato com o Sabu, que é uma referência do LulzSec e do Anonymous internacional.
Fórum – O grupo
LulzSec se dissolveu recentemente, mas antes surgiram informações de
que você teria sido acusado de “traidor” e que seus dados teriam sido
expostos pelo Sabu. Como foi isso?
SilverLords – O que
aconteceu foi apenas um desencontro de informações. Algumas pessoas se
passaram por nós, falando que estávamos presos. Aquilo que postaram em
nome do Sabu não foi ele quem postou. O Sabu mesmo confirmou. Aquele
que disseram ser eu, não tem nada a ver comigo.
Fórum – Você pode dizer onde mora?
SilverLords – Não sou
brasileiro. Quando criança, meus pais vieram para o Brasil, onde morei
toda a minha vida. Mas voltei para o meu país em janeiro, para cuidar de
meus avôs.
Fórum – Tem um blogue chamado sabudesmascarado, dizendo que o Sabu se chamaria Hugo. Essa informação é verdadeira?
SilverLords – Não
confirmei isso com ele, porque não é ele quem tem tuitado na conta. Ele
está viajando sempre e tem seguidores e sucessores. Assim como nós.
Fórum – Qual a relação do LulzSec com o Anonymous?
SilverLords – O LulzSec é um braço que apoia o Anonymous. Eles têm o mesmo objetivo.
Fórum – Como vocês avaliam a repercussão das invasões em sites feitas pelo LulzSecBrazil?
SilverLords – Foi
positiva, apesar de a mídia ter manipulado nossas ações, mas considero
que nosso objetivo foi alcançado. Queríamos chamar a atenção do povo
para o Anonymous e o que essa ideia vem fazendo no mundo, como na
Tunísia e no Egito.
Fórum – Muitos
acreditam que os ataques aos sites brasileiros abriram espaço para a
aprovação do projeto do senador Eduardo Azeredo, tido na rede como o
AI-5 Digital. O que você acha disso?
SilverLords – Nós não
somos a favor dessa lei porque ela tira a liberdade. Sabemos que essa
lei foi ideia vinda dos EUA, que estão pretendendo que todos os países a
formalizem para que, no final, eles saiam protegidos. Os Estados Unidos
usam a rede para organizar guerras e trocar documentos oficiais. E, com
essa lei sendo aprovada em todos os países, eles poderão de certa forma
intimidar ou ter acesso a determinado usuário que vier a atacar ou
invadir seus sistemas, como o que levou à revelação das últimas 90 mil
senhas que foram vazadas.
Por isso, se essa lei for
aprovada, iremos declarar guerra contra todo o sistema brasileiro de
informática. Iremos abrir o banco de dados da Receita Federal e de sites
governamentais. Tudo vai ser aberto ao público, e provedores inteiros
irão cair.
Fórum – Você diz que há interferência americana para a aprovação da “Lei Azeredo”. Por que diz isso?
SilverLords – Vamos
publicar em nosso site. É um plano de união americana com todos os
países, para que todos protejam suas redes, mas, no final, isso só
beneficiará os EUA. Conseguimos essa informação por meio de um e-mail da
Câmara Federal.
Fórum – Mas essa informação era pública?
SilverLords – Não, nós
tivemos acesso a esse e-mail como a muitos outros documentos que ainda
serão publicados. Estamos verificando todo o material, para que seja
publicado com autenticidade.
Fórum – Então, não é verdade o que o Serpro diz de que não houve acesso aos dados nas invasões?
SilverLords – Não, eles
estão tentando conter essa informação, mas como vão explicar isso?
(Nesse momento, disponibiliza uma imagem que seria de acesso a cadastros
no site da Previdência Social.) Isso já está em nossas mãos faz uns
meses, mas não seria interessante abrir ao público, porque alguns
malfeitores podem se aproveitar da situação para praticar atos ilegais.
Fórum – A invasão dos e-mails da presidenta Dilma e do José Dirceu tem relação com o LulzSec?
SilverLords – Sim, mas não
publicamos, porque tem muita coisa pessoal, e nós não somos a favor
disso. Além do mais, porque foi alvo de uma imagem suja, que dois
intrusos tentaram vender.
Fórum – Então, os dois rapazes que invadiram os e-mails eram do LulzSec?
SilverLords – Não chegaram a ser, mas tentaram se enturmar para tirar proveito disso.
Fórum – Você saberia dizer se invadiram também e-mails de pessoas ligadas ao PSDB?
SilverLords – Sim, nós
mesmos acessamos os dados dos e-mails de gente do PSDB. Essa invasão é
de nossa autoria. A da Dilma, é desses dois garotos, mas eles nos
repassaram tudo.
Fórum – Você pode nos dizer quais e-mails do PSDB foram acessados?
SilverLords – Na hora certa e no momento certo todos saberão.
Fórum – Aparentemente o José Serra teve o twitter hackeado, isso tem alguma relação com vocês?
SilverLords – Não.
Fórum – Há
documentos internos dos Anonymous do Brasil dando conta de que gente do
PSDB estaria envolvida no movimento. Você pode confirmar isso?
SilverLords – Não sei
confirmar isso. Mas sei que temos e-mails deles em mãos. Não temos como
objetivo derrubar o partido atual no governo para que entre outro pior.
Nós queremos é mudar tudo isso. Que o atual fique e que melhore. F
O que é o LulzSec
O grupo decidiu se
autodissolver em 30 de julho, mas seus ativistas provavelmente criarão
outra identidade para continuar com o padrão de ações que desenvolveram.
A maior motivação do grupo é a de se divertir com as confusões
causadas. O próprio nome (Lulz Security) é uma gozação com a ideia de
segurança na rede. A palavra “Lulz” vem de “laughing out loud” (rindo
alto). Ou seja, rindo alto da segurança na internet.
O grupo sempre assumiu os
ataques que realizou e, algumas vezes, até anunciou que os faria. Quando
o LulzSec invadiu, em abril, o site da Sony e capturou os dados de mais
de 100 milhões de usuários da empresa, tinha por objetivo mostrar a
fragilidade do esquema de segurança da empresa.
Além dessa operação no site da Sony, o LulzSec invadiu os sites do FBI, da Nintendo e da Fox.